Cosmopolitismo e Rêverie em Walter Benjamin

21-11-2014 15:26

 

Maria João Cantinho[1]

 

Como o mais esquivo animal, deixando traços à sua passagem, também a linguagem nos escapa e a procura da voz, da nossa voz, assinala a nossa passagem, escrevendo e inscrevendo a nossa experiência. O passado, em todas as suas formas, como Benjamin nos afirma, na tese IIchega-nos pela percepção de que “em torno de nós próprios plana um pouco o ar já respirado pelos defuntos”, pelo mais surpreendente reconhecimento que “a voz dos nossos amigos esconde por vezes um eco das vozes dos que nos precederam sobre a terra” [ist nicht in Stimmen, denen wir unser Ohr schenken, ein Echo von nun verstummten?], lembrando-nos que “há um encontro misterioso entre as gerações defuntas e aquela de que fazemos parte”. Se a linguagem dá voz ao pensamento, ela dá igualmente figura ao passado e à experiência, no pensamento benjaminiano, entrecruzando-se de forma indissociável. E um dos aspectos que mais atesta essa relação é, sem dúvida, a teoria do traço, que Walter Benjamin desenvolve em Paris, capitale du XXème siècle, abordando a questão da perda da experiência [Erfahrung], que nos interessa aqui abordar.

Se habitar [wohnen], para o homem, consistia em deixar rastros, todavia as grandes modificações do século XIX, com a construção das novas avenidas por Haussman e o aparecimento da arquitectura do vidro, com Scheerbart, e a concepção da utilização do aço, pela Bauhaus, criaram “um espaço onde é difícil deixar rastros [Spuren]”.[2] Se a arquitectura moderna não possui aura, aperfeiçoam-se, no entanto, as técnicas de controle, que permitem reencontrar esses rastros perdidos. Esta ideia da desumanização da arquitectura explica, para Walter Benjamin, como a massificação, a partir dos meados do século XIX e o dealbar do novo século, no qual o homem se move anonimamente na multidão, o conduziram à expropriação de si próprio.[3] Sem dúvida que o mais acabado exemplo é o flâneur, ele próprio desapossado da capacidade de fixar a sua presença no mundo.[4]

Dá-se, assim, uma passagem de uma era ou período pré-capitalista, em que o homem dispõe de experiência [Erfahrung], para uma época em que ele se abandona à mera vivência [Erlebnis]. O homem provido de experiência possui a capacidade de, além de deixar os seus vestígios, recorrer à intuição (como o fruto mais precioso da experiência) para interpretar os rastros dos outros. Pertence a um mundo antigo onde tudo pode ser reconhecido e se inscreve numa ordem de familiaridade. O homem sem experiência[5] perdeu essa possibilidade e encontra-se limitado apenas ao poder de assinalar a sua passagem através de técnicas abstractas científicas (como é o caso da fotografia, por exemplo) os vestígios que se apagam, através da multidão.

Privado da experiência, ele é também desapossado da história e da sua capacidade para se integrar na tradição. Experiência e memória, como bem compreendera Benjamin, a partir da leitura de Klages, de Dilthey e de Jung, bem como da obra de Bergson, Matière et mémoire, articulam-se de uma forma indissociável:

 

Efectivamente a experiência pertence à ordem da tradição, tanto na vida colectiva, como na vida privada. Ela constitui-se menos por dados isolados, rigorosamente fixados na memória, do que dados acumulados, muitas vezes inconscientes, que se juntam à memória.[6]

 

1 O “ROSTO SURREALISTA” DA HISTÓRIA: RELAÇÃO ENTRE A IMAGEM DIALÉCTICA E O SONHO

De acordo com Benjamin, também, todos os homens têm o poder de captar e produzir semelhanças e correspondências. Elas são inscritas objectivamente na natureza, e a elas corresponde a faculdade subjectiva de percebê-las. É, sem dúvida, através do dom mimético,[7] que possibilitava ao homem captar essas semelhanças. Todavia, como o diz Baudelaire, no mundo moderno essa faculdade degradou-se, embora não tivesse desaparecido totalmente, pois sobrevive na linguagem, que constitui “um arquivo de correspondências sensíveis”,[8] e sobrevive igualmente na arte, capaz de perceber semelhanças temporais e naturais.

Para a percepção destas correspondências, o que é essencial compreender é o modo como elas passam diante do observador, com a rapidez do relâmpago, e se não forem captadas nessa exacta fracção de segundo dissipam-se, perdendo-se completamente. De facto, é quase da mesma forma que Benjamin descreve a forma da percepção das imagens dialécticas:

 

A imagem dialéctica é uma imagem relampejante. Assim como a imagem que relampeja deve ser fixada no agora da sua cognoscibilidade […] mesmo deve acontecer com o passado. A salvação que se realiza dessa forma, e apenas dessa forma, só pode ser obtida pela consciência do que se perde, além de qualquer perspectiva de salvação.[9]

 

Por outro lado, a teoria benjaminiana das imagens dialécticas encontra-se intimamente articulada com a teoria do sonho, o qual estabelece uma passagem entre o passado e o futuro. Tal como no sonho individual, o sonho colectivo utiliza imagens arcaicas, que se integram e afluem nos elementos contemporâneos e apontam para o futuro. Apesar das críticas de Adorno ao seu texto, Benjamin manteve a sua concepção da imagem dialéctica de acordo com o modelo do sonho. Aceita a sugestão adorniana das imagens dialécticas como “constelações”, mas não abdica da sua teoria, como se pode ler na carta que dirige a Gretel Adorno, em resposta às críticas de Adorno:

 

[…] A imagem dialéctica como "constelação", da mesma forma que certos elementos desta constelação assinalados por mim me parecem inalienáveis: são as figuras oníricas. A imagem dialéctica não copia o sonho: nunca o quis afirmar. Mas ela parece-me conter os traços do despertar, os pontos de irrupção (Einbruechselle) e, mesmo, não produzir a sua figura senão a partir destes pontos, tal como uma constelação celeste o faz a partir dos seus pontos luminosos. Então aqui um novo arco está tenso, numa dialéctica necessária entre a imagem e o despertar.[10]

 

 

É sobretudo neste desvio relativamente a Adorno que Benjamin se diferencia da sua posição. Tal como Adorno, também ele acredita que a imagem dialéctica exprime a presença do sempre igual, nas estruturas do capitalismo. Mas, ao contrário de Adorno, Benjamin julga que a imagem dialéctica revela a latência do novo, encontrando-se alojado nela. Por essa razão, a Benjamin não choca a utilização do conceito do sonho e não lhe interessa tanto o aspecto psicologizante, mas sim perceber o sonho como mediador que permite descobrir o latente no novo, pois o seu conceito permite ilustrar perfeitamente os dois pólos dessa dialéctica: o sono e o despertar (possibilidade que se encontra latente).

Como o explica Rouanet,

 

Na medida em que se limita a repetir conteúdos do passado, cada produção onírica é na verdade uma reprodução, pela qual o recalcado retorna monotamente; mas, na medida em que cada sonho, para exprimir esses conteúdos, mobiliza sob a forma de restos diurnos os elementos da vida quotidiana, reordenando-os, criando novas relações, transfigurando objectos familiares, uma nova realidade é produzida, e é possível distinguir o novo no sempre igual: as instâncias do despertar.[11]

 

Se o sonho, na sua natureza ambivalente, inclui o sono, não menos importante é o conceito do despertar, verdadeira “força histórica”.[12] As imagens de sonho descritas no Livro das Passagens têm, como todo o sonho, o poder de desconstruir e de reorganizar o mundo empírico e o mundo histórico, dissolvendo conexões e criando novas correspondências.[13] Elas tiram as coisas do seu lugar e colocam-nas em lugares novos, de acordo com novas disposições, produzindo assim novas e inesperadas semelhanças, ignorando as semelhanças visíveis. Esta lógica, que lhe é conferida pelo mecanismo do sonho, que descobre novas similitudes porque as antigas se tornaram inutilizáveis e, nessa procura de novas correspondências, como diz Sérgio Paulo Rouanet, citando Freud, “o sonho cria uma relação fantasmática com o tempo – o passado é vivido como se fosse o presente – e com o espaço […]”.[14] Neste mundo transfigurado pela consciência fantasmática do tempo e do espaço, “cada coisa é ao mesmo tempo uma outra – as passagens são casas e estrelas, a cidade ora é quarto, ora é paisagem”. O que, na opinião de Rouanet, distingue Freud de Benjamin, é o surrealismo benjaminiano,[15] que permite atribuir ao sonho, não apenas uma função cognitiva como também divinatória (e também histórica),[16] estabelecendo, assim, essa capacidade, a possibilidade de prefigurar a utopia. Deste modo, “As imagens de sonho, tornam o real irreconhecível, criando correspondências fícticias, e desvendam-no, revelando correspondências invisíveis à consciência diurna”.[17] Enquanto “imagens de sonho”, as imagens dialécticas são imagens estáticas. Elas constituem-se como imagens em suspensão, como o próprio o afirma, isto é, imagens que manifestam e revelam, no seu estado de repouso, a plenitude de uma síntese autêntica [N 9 a, 4] ou suspensão dialéctica[18] e esse é o estado de repouso da utopia.

Por outro lado, procurando uma articulação com os textos de Sobre o conceito de história[19] – redigidas no ano de 1940, onde a alegoria é protagonizada na imagem derradeira do Angelus Novus – e a sua relação com o procedimento alegórico, o historiador dialéctico tem o dom da verdadeira mimesis e sabe estabelecer, entre o agora escondido no passado e o agora da cognoscibilidade, uma correspondência imediata e infalsificável. Ele despertou do sonho, não abdicou da consciência de que o sonho lhe transmitiu esse segredo, mas percebeu-o, no entanto, enquanto teia ilusória de correspondências.

Arrisco aqui a minha interpretação: o segredo do historiador é, com efeito, o seu olhar alegórico, capaz de destacar-se do “sonho colectivo”, fazendo-o dissipar, revelando as fantasmagorias aos que sonham e que, por isso, ainda “não são conscientes do saber”, vivendo, assim, num saber latente, um “saber sonhado”.[20] O aguilhão do “despertar”, fissurando a ilusão do progresso e das fantasmagorias de uma época que vive na esperança optimisma do progresso e da sua continuidade, é justamente aquele que provoca o acontecimento, isto é, o momento da abertura messiânica.

Assim, a imagem dialéctica, fulgurante e irrompendo das profundezas do sonho, suspende a continuidade e varre o passado à sua passagem como “uma bola de fogo”.[21] O tempo suspende-se, abrindo-se sob a forma, já não da sucessão, de acordo com uma concepção linear, mas sob a sua forma imagética, isto é dialéctica.[22] Esta, ao coagular-se, constitui-se como a apresentação do que não é representável, na voragem da continuidade: o instante puro, nascente e fulgurante, irradiando a claridade do conhecimento histórico. Trata-se do tempo na sua dimensão messiânica, “em que cada segundo era a porta estreita por onde o Messias podia entrar”.[23]

À luz da concepção benjaminiana, que reconhece o século XIX como um “espaço de tempo” [Zeitraum] e também, um “sonho de tempo”[Zeit-traum], trata-se de uma consciência colectiva – aquela que sonha – que se “afunda cada vez mais num sonho profundo”.[24] Por oposição a este estado sonambúlico, a alegoria comporta consigo a possibilidade do “despertar histórico”, operando como uma experiência destrutiva e necessária e que prepara a consciencialização do fenómeno histórico (a sua origem), subtraindo-o às profundezas do sonho e da fantasmagoria. Todavia, é na teoria do progresso que encontramos a mais nefasta das fantasmagorias:

 

Há uma experiência absolutamente única da dialéctica. A experiência peremptória, radical, que refuta toda a ideia de “progresso” do devir e faz aparecer toda a “evolução” aparente como uma inversão dialéctica eminentemente e continuamente composta, é o despertar que vos arranca ao sonho. […] O novo método dialéctico da ciência histórica apresenta-se como a arte de ver o presente como um mundo desperto ao qual o sonho que nós chamamos o Outrora se relaciona com a verdade. Refazer o Outrora na rememoração do sonho! Assim, rememoração e despertar são intimamente ligados. O despertar, com efeito, é a revolução coperniciana, dialéctica da rememoração.[25]

 

Se o sonho, por um lado, permite a descoberta das forças históricas latentes, uma vez que são desfeitas as relações tradicionais (e diurnas) do esquematismo do espaço e do tempo na experiência moderna, é só arrancando-se à dimensão do sonho que se torna possível aceder à verdade e à origem do fenómeno histórico, o qual se apresenta na imagem dialéctica. É, no entanto, à luz do despertar e da rememoração – dois conceitos que dizem respeito a duas actividades indistrinçáveis - que é trazida à luz do conhecimento a verdade histórica.

2 MODERNIDADE; EXPERIÊNCIA DO CHOQUE E ALEGORIA

 

É no contexto da teoria da perda da aura e da dissipação da experiência autêntica [Erfahrung] que se integra a análise benjaminiana de Baudelaire.[26] O fim da aura e a dolorosa descoberta do fim da experiência [Erfahrung] assinala a ruptura do homem com a tradição. Por outro lado, assinala ainda, e a meu ver é a grande consequência do “afundamento da aura”, a alteração das condições de percepção do homem moderno, no que se refere à questão do espaço e do tempo e da sua compreensão, enquanto categorias clássicas. A violência destrutiva que caracteriza esta nova vivência, no seio de uma conjuntura que se define pelas novas condições de vida do homem moderno, emerge brutalmente na poesia de Baudelaire sob a sua forma alegórica[27] e deste modo, a experiência moderna do choque [Schockerlebnis] transforma-se, ela própria no fermento do lirismo baudelaireano.[28]

Em Baudelaire, como o afirma Meschonnic,  “a alegoria é um trabalho de ironia, em direção a um sentido sempre outro, que faz a historicidade do sentido" .[29] O que aqui se ressalta é o trabalho de Baudelaire contra o mito e a pré-história. Benjamin, ele próprio tão feroz na sua crítica ao mito, reconhece em que medida a violência da alegoria destrói o mito e as fantasmagorias: “É preciso mostrar na alegoria o antídoto contra o mito”[30] e numa outra passagem, Benjamin afirma, ainda, a propósito de Baudelaire: “Majestade da intenção alegórica: destruição do orgânico e do vivente – dissipação da ilusão”.[31] Poderíamos dizê-lo de outro modo: o que urge é o despertar dessas fantasmagorias míticas que envolvem o citadino parisiense.

Profundamente influenciado pela visão de Blanquis e pela ideia nietszchiana do eterno retorno, Baudelaire é bem o herdeiro e o poeta que canta a “humanidade danada” de Blanquis, como inscreve a ideia da repetição infernal do eterno retorno no poema “Les Sept Veillards”.[32] A melancolia, no caso de Baudelaire, crava-se no cerne da tensão entre o spleen e o ideal e esta tensão, como o diz Raulet, de forma notável, "il réunit en soi la destruction par le choc et la restitution d'une expérience authentique [Erfahrung]; il est potentiellement capable de transformer la catasthrophe en rédemption. Mais, par là aussi, ce regard allégorique est également un regard qui éloigne, qui restitue une aura aux choses, qui découvre dans la beauté moderne, dans «le fugitif, le contingent», l'impérissable, l'antique. ".[33]

Assim, se por um lado, a modernidade priva o homem da experiência autêntica [Erfahrung], por outro lado ela liberta-o (e simultaneamente desperta-o) também das suas fantasmagorias, sendo, desta forma, uma abertura para a história e para a beleza da modernidade. Ao incorporar todo o acontecimento numa continuidade espacial e temporal e fazendo de toda a unicidade uma experiência durável, a tradição tornava próximo todo o longínquo e privava-o da sua força messiânica. O longínquo, encantatório na sua essência, acorrentava o presente a si, mantinha-o refém da nostalgia, impedindo-o de explodir.

Nenhum começo verdadeiro, nenhuma novidade inédita poderia verdadeiramente irromper. A modernidade, sob a violência do choque e do seu despertar, liberta o “aqui e o agora”, a força messiânica do instante,[34] irrepetível e único, através de um acto simultaneamente destrutivo e redentor, gesto que se concentra em absoluto na imagem alegórica e que dá a conhecer o verdadeiro rosto da história, liberta das suas ilusões, em particular da mais nefasta, que é a ilusão do progresso.

É, assim, do próprio coração do desencanto e da perda da experiência que emerge o novo canto que visava o próprio Baudelaire: o canto da modernidade, descobrindo a beleza inaugural (e derradeira) do instante. O clarão desta única vez irrepetível, de que nos falam Baudelaire e Benjamin, dá-se num golpe brusco, num choque que se reproduz infinitamente. Deste modo, dominada pela consciência do tempo, a experiência moderna do choque torna-se o próprio fermento do lirismo de Baudelaire.

Modelando a sua imagem de artista a partir da imagem do herói,[35] ele submete-se a este tempo reificado, de um mundo mecanicizado, de forma a que o choque,[36] longe de ser neutralizado pela consciência, de ser esterilizado pela memória, seja antes retomado por uma “consciência” superior e se transforme na “norma” da experiência, a forma desta mesma poesia que parece então consagrar-se ao luto [Trauer].[37] Enquanto que a escrita de Proust – ela própria alegórica – tenta utilizar o tempo na subtileza da metáfora,[38] o verso de Baudelaire sofre esse dilaceramento interno do choque e mostra-o na imagem poética, que estilhaça a experiência, sem que o poeta tente dominar o estremecimento que dele se apodera, mas, ao invés, interiorizando-o.

É-nos possível compreender, à luz da análise transversal da modernidade, que a razão do sofrimento moderno é o tempo, o tempo imóvel, gelado, petrificado. O rosto da medusa assoma por detrás da experiência temporal, petrificando a experiência humana com o seu olhar, tudo se transforma em mercadoria, em coisa alienada e simulacro. A plena consciência do facto e da inexorável transformação exige ao artista uma “natureza heróica”[39] e ela transparece, da forma mais notável e lúcida, no olhar do flâneur, olhar gélido, mas que sofre, ainda (e paradoxalmente) o apelo do longínquo, para o descobrir como fantasmagoria. Que heroísmo é possível? Será a atitude nihilista a que mais convém ao desencanto?

Sabemos que a melancolia é uma ferida nunca sarada, no coração do homem moderno, essa mesma melancolia, como soube admiravelmente explicar-nos Baudelaire, que resulta do reconhecimento do tempo vazio, ele próprio mortificador, terrível. Porém, contrariamente à melancolia passiva (e originadora da acedia e do taedium vitae[40]), a melancolia de Baudelaire é activa e heróica, rememorativa. Como o próprio Benjamin o nota, “o Spleen como barragem como barragem contra o pessimismo. Baudelaire não é um pessimista […] É por isso que o seu heroísmo se distingue mais claramente que o de Nietzsche”.[41]

Ele não tem por objectivo livrar-se da sua melancolia por um acto da vontade, inventando figuras fortes e poderosas, mas procura, antes, identificar as figuras emblemáticas da melancolia heróica: o flâneur, o jogador,[42] a prostituta, o trapeiro, os marginais. Desencantados, os heróis modernos de Baudelaire, longe de serem almas fortes, são os deserdados da vida, figuras ou tipos alegóricos que apresentam em si o rosto da história da modernidade enquanto catástrofe.[43] São essas figuras ou tipos que revelam o seu verdadeiro rosto, anjos caídos, cuja natureza simultaneamente demoníaca e melancólica, exprime a dilaceração moderna.[44]

O heroísmo do poeta acaba por degenerar numa raiva impotente, pois, ao deixar inscrever a sua experiência no tempo do choque e da repetição mortífera, o melancólico contempla a história após a morte, abismando-se no espectáculo desolado da catástrofe, ou seja, de uma natureza alienada e sem alma. O seu olhar afunda-se, assim, no espectáculo da história vista enquanto catástrofe permanente, pois, tal como o aterrorizado anjo da história ou o Angelus Novus, ele vê acumumular-se diante de si e do seu olhar esbugalhado um monte de escombros e de ruínas e sabe que nada pode fazer para salvar os destroços da história.[45]

 

3 BAUDELAIRE E AS RUAS DE PARIS (as imagens do cosmopolitismo)

 

A imagem do flâneur, figura alegórica central na obra de Baudelaire, aparece tematizada por Benjamin sobretudo no Livro das passagens e na obra Charles Baudelaire. A figura do flâneur reflecte a experiência do homem moderno no início do capitalismo. A esquematização da nova cidade, reconstruida por Haussman, cria uma cidade com luz, espaço e que revaloriza os monumentos. Desfigurando a velha Paris,[46] esta alteração faz com que os citadinos se sintam alienados na sua própria cidade, coincidindo a época com o apogeu do poder do capital financeiro, sob o governo de Napoleão III. Esta sociedade alimenta a especulação e a bolsa substitui as formas tradicionais de jogo. Às fantasmagorias do espaço, que constituem a experiência nova do flâneur, correspondem também as fantasmagorias temporais do jogador. Impondo à velha e “familiar” Paris uma nova reconfiguração, a qual corta as suas relações com a tradição, a “haussmanização” “produz um efeito de dépaysement, alienando os parisienses da sua cidade, expulsando os operários para a banlieue”,[47] descontextualizando e produzindo novos efeitos. Prova viva da ambiguidade alegórica, Haussman destrói, mas permite que se abram novos caminhos, por entre as ruínas existentes.

flâneur refugia-se na multidão, o véu através do qual ele vê a cidade, a qual, através dele, se transforma numa fantasmagoria,[48] paisagem interiorizada. No flâneur, a inteligência familiariza-se com o mercado, com o mundo da mercadoria. A sua relação com a multidão faz nascer o homem que tem a ilusão de poder descobrir em cada rosto, fisionomicamente, a verdade singular de cada indivíduo.[49] Refugiado nas Passagens, flâneur observa a multidão, examina o transeunte, com o olhar do fisionomista que tenta desvelar o individual no personagem-tipo do transeunte.[50] Se o flâneur é arrastado e submerso pela massa, como um autómato, conserva, no entanto, a ilusão da individualidade. A rua transforma-se em interior e é entregando-se às fantasmagorias do espaço que o flâneur percebe o tempo. Deambulando pela cidade, recorre às memórias nela depositadas e “reconstrói” o seu passado. Enquanto cidadão de um mundo sem história, ele passeia de madrugada pelas ruas desertas, na ilusão de “reconquistar” o tempo.[51] Com o aparecimento dos grandes armazéns, a sua figura transforma-se numa metáfora inquietante do verdadeiro/falso, como todos os demais personagens alegóricos postos em cena por Benjamin. Prisioneiro do sonho, como a sua própria época, o flâneur vive na promessa de uma aura, do longínquo, e a paisagem viva e em movimento, acena-lhe. À maneira de um caçador, ele segue-lhe os traços, tenta decifrar o que a paisagem labiríntica[52] e impenetrável tem para lhe oferecer.

Por essa razão Benjamin afirma: “Sabe-se que na flânerie, os longínquos – quer se tratem de países ou de épocas – irrompem na paisagem e no instante presente”.[53] É sob esta forma que a realidade se apresenta ao olhar do flâneur, na sua forma tensional e dialéctica. Ele tenta aproximar-se daquilo que se lhe escapa continuamente, perseguindo o alvo e é deste modo paradoxal que se desdobra a cidade e a sua multidão sob o seu olhar. À maneira do detective,[54] como o personagem principal de Poe, o flâneur de Baudelaire é um estudioso da natureza humana[55] e, sob a aparência de um olhar desatento e ocioso, esconde-se alguém cuja volúpia reside na decifração infernal dos sinais e das imagens.

Ociosidade e flânerie encontram-se, assim, aproximados à luz da poética de Baudelaire, pois o ócio esconde a fecundidade do trabalho poético.[56] No olhar aparentemente alheio e perdido do flâneur oculta-se a mais profunda agitação interior. A agitação daquele que é “bombardeado” pelo choque, a cada instante, e neste contexto surge a mais íntima relação entre a flânerie e a experiência vivida do choque, protagonizada pela figura da meditação alegórica, uma vez que a melancolia se constitui como o próprio fermento da alegoria. Não se trata aqui do olhar de um pensador[57] ingénuo, mas sim de um olhar sarcástico e parasita, gélido, o qual inflecte sobre si próprio, mediante o acto da rememoração e que se apresenta nas imagens poéticas. Esta inflexão saturnina é da ordem de um ensimesmamento, isto é, de um saber reflexivo, o saber do “cismativo”, “massa” da qual é feita o carácter alegórico, e que é aquele que se coloca saturninamente sob o signo da rememoração:

 

[...] A situação do cismativo [Grübler] é a de um homem que possuiu a solução do grande problema, mas que a esqueceu de seguida. E agora ele medita, menos sobre a coisa do que sobre a reflexão que ele levou a cabo sobre o seu sujeito. O pensamento do cismativo é então colocado sob o signo da rememoração. O cismativo e o alegorista são feitos do mesmo material.[58]

A rememoração do cismativo dispõe da massa desordenada do saber morto. Para ele, o saber humano é fragmentário num sentido particularmente pregnante: ele reúne [...] e constrói um puzzle. Uma época que é inimiga da meditação, conservou o gesto no puzzle. Este gesto é, em particular, o gesto do alegorista que toma aqui ou ali um pedaço no monte confuso que o seu saber põe à disposição, coloca esse pedaço ao lado de um outro e tenta fazê-los conjugar: tal significação com tal imagem e tal imagem com tal significação.[59]

 

Essa afinidade, ainda que por ele reconhecida, conhece as suas divergências e os seus desencontros. Para Baudelaire, trata-se de efectuar a transfiguração ou transmutação da experiência vivida do choque em imagem poéticaBenjamin, na sua visão fulminante, apreende esse gesto, extraindo as consequências mais férteis e estabelecendo essa analogia da seguinte forma:

 

Os poetas encontram o refugo da sociedade na rua e o seu sujeito heróico com ele. Desta forma, a imagem distinta do poeta parece produzir uma imagem mais vulgar que deixa transparecer os traços do trapeiro, deste trapeiro de que se ocupou frequentemente Baudelaire.[60]

 

Ou, ainda de uma forma mais clara:

 

O trapeiro é a figura mais provocatória da miséria humana. Lumpenproletário num sentido duplo: vestido de velhos trapos, ele ocupa-se de trapos. Eis um homem encarregue de apanhar os detritos de um dia da capital. Tudo o que a grande cidade rejeitou, tudo o que ela perdeu, tudo o que ela desdenhou [...] ele cataloga, ele colecciona (...)

 

(…) Esta descrição não é senão uma longa metáfora do comportamento do poeta segundo o coração de Baudelaire. trapeiro ou poeta – o refugo interessa aos dois; os dois entregam-se à sua ocupação solitária, à hora em que os burgueses se abandonam ao sono; a atitude, a própria tarefa são idênticas nos dois. Nadar fala do “passo sacudido” de Baudelaire; é o passo do poeta que erra na cidade, à procura de despojos rimados; é também necessariamente o passo do trapeiro que pára a cada instante no seu caminho para recolher o detrito sobre o qual acaba de cair.[61]

 

Estandarte da miséria humana, de proveniência infernal,[62] recolhendo tudo aquilo que a sociedade rejeita, o trapeiro é bem a figura melancólica com que o poeta se identifica. Ambos se deixam conduzir pelo gesto da decifração do enigma,[63] recolhendo os destroços e ambos os renovam, numa ordem outra.

Lançando um esgar cínico e sarcástico sobre o mundo, embalado pela vontade de reunir os destroços e as ruínas, é bem a imagem do trapeiro que aqui se define, por analogia com a visão do poeta. Impotente perante a catástrofe da história humana, é como se no interior da visão moderna cada figura alegórica se constituísse um ângulo diverso de um mesmo olhar e esse olhar não pudesse senão devolver-nos uma visão cubista do mundo. Uma imagem fragmentada e arruinada. Trata-se, para ambos, poeta e trapeiro, de um saber que se constrói mediante o acto de aniquilação das coisas, dando-lhes morte, arrancando-lhes a falsa, a bela aparência (a sua organicidade interna, o Schein) para as obrigar a significar, ressuscitando-as. No caso do trapeiro, esses destroços já se encontram aptos a significar, chegam-lhe já “mortos” às suas mãos, visto que já se encontram destituídos das suas relações internas e dos elos que lhes garantiam a organicidade.

No cerne da “raiva destrutiva” de Baudelaire, que tudo atinge, mortificando, aniquilando, parece habitar esse desejo secreto, o de “interromper o curso do mundo”, que tão bem Walter Benjamin entendeu, e que concentra todo o dinamismo da obra baudelaireana. A intenção baudelaireana consagra-se, pois, nesse canto secreto que adormece e “aquieta” o mundo, petrificando-o imageticamente através da sua poesia.

Em A une passante vemos o poeta, o herói moderno[64] de Baudelaire, em toda a sua lucidez, no momento em que reconhece a impossibilidade de realizar esse desejo, em que a multidão,[65] como uma massa informe e sem nome, ruidosa, engole aquela que lhe evoca a imagem longínqua do amor. O herói de Baudelaire é, sem sombra de dúvida, aquele reconhece a vanidade do seu sonho. Tal como ele se apresenta no poema, descobre com horror a dissolução da experiência do longínquo, apresentando aquela que ama emergindo no abismo da multidão. Esse despertar corresponde, em próprio, à experiência do choque [Schockerlebnis], a que lhe fustiga o rosto, despertando-o bruscamente da sua rêverie fantasmagórica, o que é o mesmo que dizer que corresponde ao reconhecimento da catástrofe, no seu íntimo, do declínio e da dissolução da aura.

A catástrofe, entendida como o conceito, por excelência, que convém à história humana, faz aqui o seu aparecimento numa imagem poética e que tem como fundo principal a multidão. Esta diz respeito a um abismo[66] (massa informe e ruidosa, que engole e destrói), pressentido no poema de Baudelaire. Abismo, no sentido em que se descobre a catástrofe no coração da repetição.

Em última análise, poderíamos afirmar, em justiça, que é daqui que nasce toda a melancolia moderna, o taedium vitae, o fermento alegórico por excelência. É deste paradoxo, o de se saber que tudo é vão, descobrindo a experiência do inferno e da repetição no seio da própria experiência quotidiana e da história humana, e o de não se estar em condições de recusar o apelo erótico e o consequente prazer que essas experiências “redentoras” nos trazem, que nos advém a melancolia. Tal como o alegorista barroco se encontrava imerso nesse dilema, sabendo que apenas o riso e o saber demoníaco se configuravam como o gesto “adequado” à compreensão do mundo, também Baudelaire descobre o gesto adequado ao seu “luto” no sarcasmo gélido e destrutivo da sua poesia, um saber demoníaco que encontra assim o seu comprazimento melancólico.

A volúpia do flâneur, entendida como um estado de spleen, como se pode deduzir, deve-se ao reconhecimento e à decifração da repetição infernal e infinita das imagens e, neste caso particular, a descoberta da catástrofe, como o destino humano. Tal como na figura do cortesão (figura alegórica por excelência no Trauerspiel), Benjamin reconhece no herói baudelaireano esses traços alegóricos, unindo-os o gesto (o de querer salvar as coisas mediante a rememoração) e a intenção. Como no Trauerspiel, este herói é um actor[67], olhando o espectáculo ou o teatro que o mundo lhe oferece, neste caso, um mundo fragmentário, feito de ruínas - em que as coisas são arrancadas às suas correlações habituais e familiares, expostas - sem qualquer possibilidade de “salvação”, minado pelo progresso[68] da história. O olhar do alegorista é o que vê, não uma sucessão organizada de eventos históricos, ligados entre si por uma continuidade, mas “[...] não há aí senão uma única coisa que se oferece aos seus olhares: uma catástrofe sem modulação nem tréguas, amontoando os escombros [...]”.[69] Este é o mundo de Baudelaire, assombrado pelo espectro do progresso histórico, em que as coisas se apresentam como ruínas, fruto do desgaste do tempo, isto é, sem qualquer possibilidade de voltarem a ser o que foram outrora.

Em lugar de ocultar essa alienação profunda, mascarando-a sob formas fantasmagóricas, o herói de Baudelaire denuncia-a, exibe-a, sob o rosto dúplice da alegoria, repudiando a ilusão do ideal de uma "felicidade prometida" que norteava toda a tradição estética do idealismo. A ele nada lhe está prometido, nenhuma felicidade, mas a vida mostra-se na sua mais absoluta crueza. A denúncia da fantasmagoria e do pesadelo, no qual o homem alienado submerge, esse é o heroísmo que convém ao moderno, que sabe que só a alegoria lhe permite ver o “rosto da história”. A ele cabe o esforço heróico de romper as ilusões do passado e abrir o caminho à modernidade e libertá-la da sua prisão em relação às falsas esperanças, para que um novo canto possa surgir no coração do desencanto moderno.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Professora de Filosofia no Ensino Secundário, no Iade, investigadora no Centre de Philosophie et Esthétique Contemporaine, na Sorbonne IV e no Centro de Filosofia (FLUL).

[2] BENJAMIN. Erfahrung und ArmutIn: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1972g, II.1, p. 218: "sie haben  Raüme geschaffen, in denen es schwer ist, Spuren zu hinterlassen" (Tradução da autora). Cf. também a obra de tiedemann, Rolf. Études sur la Philosophie de Walter Benjamin. Trad. de l’allemand par Rainer Rochlitz. Arles: Actes du Sud, 1987. p. 118.

[3] BENJAMIN, Walter. Über einige motive bei Baudelaire. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1972l. v. I.2, p. 652.

[4] Assinalo aqui o belíssimo texto de ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o anjo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. p. 67-68.

[5] E a que poderíamos chamar, como Agamben, “o homem sem conteúdo”, sem individualidade e sem identidade e que tão paradigmaticamente aparece no poema de Baudelaire “Les sept Veillards”. Por outras palavras, “o conteúdo” dissipa-se, desintegra-se, nessa repetição infernal.

[6] BENJAMIN, 1972l, I.2, p. 608. Über einige Motive bei Baudelaire: "In der Tat ist die Erfahrung eine Sache der Tradition, im Kollektiven wie im privaten Leben. Sie bildet sich weniger aus einzelnen in der Erinnerung streng fixierten Gegebenheiten denn aus gehäuften, oft nicht bewuβten Daten, die im Gedächtnis zusammenflieβen" (Tradução da autora).

[7]Cf. um interessantíssimo estudo de PINHO, Amon. Hermenêutica e materialismo histórico na encruzilhada da história. Revista Philosophica, Lisboa, v. 28, p. 28, 2006. Neste ensaio, nas páginas 263, 264, o autor estabelece uma articulação entre experiência[Erfahrung], mimesis e a teoria da rememoração em Benjamin, de uma forma muito perspicaz. Amon Pinho vê na experiência da semelhança o “órganon da experiência [Erfahrung]”, como é também por meio dela que se opera a experiência da rememoração. Cf. também os estudos de GAGNEBIN, Jeanne-Marie. Histoire et narration chez Walter Benjamin. Paris: L’Harmattan, 1994.

[8] BENJAMIN, Walter. Über das Mimetische Vermögen. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1972j. v. II.1, p. 213. “ein archiv unsinnlicher Ähnlichkeiten, unsinnlicher Korrespondenzen geworden”. (Tradução da autora)

[9] BENJAMIN. Gesammelte Schriften 1972h, v.I, p. 591- 592: "Das dialektische Bild ist ein aufblitzendes. So, als ein im Jetzt der Erkennbarkeit aufblitzendes Bild, ist das Gewesene festzuhalten. Die Rettung, die dergestalt - und nur dergestalt - vollzogen wird, läβt immer nur an dem, im nächsten Augenblick schon unrettbar verlornen (sich) vollziehen." (Tradução da autora)

[10] Cf. BENJAMIN. Briefe, II, Frankfurt: Suhrkampf, 1978d, p. 688: "Das dialektishe Bild malt den Traum nicht nach - das zu behaupten lag niemals in meiner Absicht. Wohl aber scheint es mir, die Instanzen, die Einsbruchsstelle des Erwachens zu enthalten, ja aus diesen Stellen seine Figur wie ein Sternbild aus den leuchtenden Punkten erst herzustellen. Auch hier also will noch ein Bogen gespannt, eine Dialektik bezwungen werden: die zwischen Bild und Erwachen." (Tradução da autora)

 

[11] Cf. ROUANET. Édipo e o anjo, p. 94, 95.

[12] Não quero entrar aqui em vastas considerações, mas o conceito de “despertar”, associado ao de “rememoração”, constituem-se como os momentos despoletadores da verdadeira consciência histórica, a que só o historiador materialista tem acesso. Veja-se BENJAMIN 1972hv. V.1, p. 490-491, Gesammelte Schriften, onde Benjamin fala, a este propósito, em “revolução coperniciana”. Em [N 3 a, 3], mais adiante, p. 579, ele afirma: “O momento do despertar seria idêntico ao Agora da cognoscibilidade, na qual as coisas tomam o seu verdadeiro rosto, o rosto surrealista. [Dann wäre der Moment des Erwachens identisch mit dem «Jetzt der Erkennbarkeit», in dem die Dinge ihre wahre  — surrealistische - Miene aufsetzen.]” (Tradução da autora)

[13] Rouanet estabelece uma interessantíssima relação entre a teoria benjaminiana e a teoria freudiana do sonho, que permite trazer uma nova luz ao pensamento de Benjamin. V. raulet. Gérard. Le caractère destructeur. Paris: Aubier, 1997. p. 145-149.

[14] ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1994. p. 86.

[15] O que, de acordo com Bloch, explica a técnica da montagem em Benjamin. Cf. BLOCH, Ernst. Héritage de ce temps, Paris, Payot, 1977, p. 210. É muito interessante a relação estabelecida por Bloch entre Benjamin e os surrealistas, conferindo ao sonho um papel verdadeiramente criador. Mas, como o salienta Rouanet, “Todavia, é no tema do “despertar” que a teoria do sonho de Benjamin se distingue verdadeiramente dos surrealistas. Para Benjamin, não se trata de atribuir um valor cognitivo ao irracional, mas de despertar o passado do seu sonho mítico, inversamente ao que acontecia nos surrealistas.

[16] Cf. o notável texto: BENJAMIN, Walter. Der Sürrealismus. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1972e. v. II.1, p. 298, onde Benjamin fala do conceito de iluminação profana [profanen Erleuchtung], para dar conta desta dimensão “divinatória” e particularmente fecunda do sonho, para os surrealistas, associada à dimensão da rememoração, em Proust. Cf. também o texto de BISHOF, Rita; LENK, Elizabeth, L’intrication surréelle du rêve et de l’histoire dans les Passages de Benjamin, Paris : Éditions du Cerf, 1986, p. 179-99.

[17] ROUANET, 1994, p.87. As razões do iluminismo.

[18] BENJAMIN. 1972h, v. V.1, p. 578. Gesamelte Schriften: “Bild ist die Dialektik im Stillstand”. Pierre Missac, na sua obra Passage de Walter Benjamin, p. 118, vê nestas categorias, dialektisches Bild Dialektik im Stillstand, não antinomias puras, mas “métaforas surrealistas cujo poder de iluminação profana desempenha um papel importante no Benjamin dos últimos anos” [ (…) métaphores surréalistes, dont le pouvoir d'illumination profane joue un si grand rôle chez le Benjamin des dernières années"] (Tradução da autora).

[19] Refiro-me especificamente à obra Über den Begriff der Geschichte (BENJAMIN, 1972h, Gesammelte Schriften, I.2). Essas teses sobre a filosofia da história serviriam de base ou como uma espécie de introdução epistemológica ao seu trabalho que foi publicado postumamente, Livro das passagens, tal como o Prefácio de Benjamin à obra Ursprung des deutschen Trauerspiel, onde expõe a sua versão da Teoria das Ideias.

[20] BENJAMIN. Gesammelte Schriften, v. V.1, p. 571, 572, [N 1, 9], a propósito do trabalho do historiador, relativamente aos surrealistas: “Enquanto que um elemento impressionista – a “mitologia” – permanece em Aragon […] trata-se aqui [no caso do historiador] de dissolver a “mitologia” no espaço da história. Isso não se pode fazer, em boa verdade, senão pelo despertar de um saber ainda não consciente do passado” [“Wahrend bei Aragon ein impressionistisches Elementen bleibt - die «Mythologie» - (…) - geht es hier um Auflösung der «Mythologie» in den Geschichtsraum. Das freilich kann nur geschehen durch die Erweckung eines noch nicht bewuβten Wissens vom Gewesnen]” (Tradução da autora).

[21] Cf. BENJAMIN. Sur le Concept d’Histoire, Écrits Français, p. 348: “L'image dialectique est une boule de feu qui franchit tout l'horizon du passé."

[22] BENJAMIN. 1972h, v. V.1, [N 2 a, 3], p. 576, 577. Gesammelte Schriften: “Não pode dizer-se que o passado ilumina o presente ou que o presente ilumina o passado; uma imagem, ao contrário, é aquilo no qual o Outrora encontra o Agora num clarão, para formar uma constelação. Por outras palavras, a imagem é a dialéctica em suspensão. Porque, enquanto que a relação do presente com o passado é puramente temporal, contínua, a relação do Outrora com o Agora é dialéctica […] [Nicht so ist es, daβ das Vergangene sein Licht auf das Gegen wärtige oder das Gegenwärtige sein Licht auf das Vergangene wirft, sondern Bild ist dasjenige, worin das Gewesene mit dem Jetzt blitzhaft zu einer Konstellation zusammentritt. Mit andern Worten: Bild ist die Dialektik im Stillstand. Denn während die Beziehung der Gegenwart zur Vergangenheit eine reine zeitliche, kontinuierliche ist, ist die Gewesnen zum Jetzt dialektisch (…)]”(Tradução da autora).

[23] BENJAMIN.1972h, v. I.2, p. 704. Gesammelte Schriften: “Denn in ihr war jede Sekunde die kleine Pforte, durch die der Messias treten konnte”.

[24] Cf. BENJAMIN, 1972h, v. V.1, p. 491-492 [K 1, 4]. Gesammelte Schrifte: "(…) das Kollektivbewuβtsein in immer tieferem Schlafe versinkt." (Tradução da autora)

 

[25] BENJAMIN, 1972h, v. V.1 [k 1,3], p.491. Gesammelte Schriften: "Es gibt eine völlig einzigartige Erfahrung der Dialektik. Die zwingende, die drastische Erfahrung, die alles «algemach» des Werdens widerlegt und alle scheinbare «Eintwicklung» als eminent  durchkomponierten dialecktischen Umslag erweist, ist das Erwachen aus dem Traume.(…) Die neue dialecktische Methode der Historik präsentiert sich als die Kunst, die Gegenwart als Wachwelt zu erfahren, auf die sich jener Traum, den wir Gewesenes nennen, in Wahreit bezieht. Gewesenes in der Traumerinnerung durchzumachen! - Also: Erinnerung und Erwachen sind aufs engste verwandt. Erwachen ist nämlich die dialecktische, kopernikanische Wendung des Eingedenkens” (tradução da autora).

[26] Benjamin fez da alegoria a sua “forma-sujeito”, como nos diz Henri Meschonnic, no seu admirável ensaio “L’allégorie chez Walter Benjamin, une aventure juive”, p. 712. Daí a sua afinidade com autores decisivos e que usaram a alegoria como forma de expressão privilegiada: “Walter Benjamin faz da alegoria sua forma-sujeito. A forma de sua afinidade com Beaudelaire Privilegiada pela ligação com outras afinidades, Proust ou Kafka. Uma forma-rede. O retrato do autor em alegoria. Ela tem um lugar inaugural e constante”. [“Walter Benjamin a fait de l'allégorie sa forme-sujet. La forme de son afinité avec Baudelaire. Privilégiée par rapport à ses autres affinités, Proust, ou Kafka. Une forme-réseau. Le portrait de l'auteur en allégorie. Elle a une place inaugurale, et constante.” (tradução da autora)Cf. também Das Passagen-Werk, p. 405, onde Benjamin explica claramente os objectivos e as razões pelas quais se dedica a Baudelaire. Essa intenção também aparece muito clara na carta que Benjamin escreve a Marx Horkheimer, datada de 16 de Abril de 1938. Cf. BENJAMIN. Briefe, II, p. 751, 752.

[27] BENJAMIN, Walter. Zentralpark. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1972n. v. I.2, p. 670: “A ausência de ilusões e o declínio da aura são fenómenos idênticos. Baudelaire mete o artifício da alegoria ao seu serviço” [Die Scheinlosigkeit und der Verfall der Aura sind identische Phänomene. Baudelaire stellt das Kunstmittel der Allegorie in ihren Dienst]” (tradução da autora).

[28] BENJAMIN. Zentralpark, v. I.2, p. 659: “O fermento novo que, penetrando no taedium vitae, o transforma em spleen é a alienação de si [Das entscheidend neue Ferment, das, in das taedium vitae eintretend, dieses zum spleen macht, ist die Selbstentfremdung]." (tradução da autora)

[29] MESCHONIC, Henri. L’allegorie chez Walter Benjamin, une aventure juive. In: WISMANN, Heinz (Org.). Walter Benjamin et Paris. Paris: Éditions du Cerf, 1986. p. 669: “l'allégorie est un travail de l'ironie , vers un sens toujours autre, qui fait l'historicité du sens"

[30] BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire. Ein Lyriker im Zeitalter des Hochkapitalismus. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1972a. v. 1, p. 677.

[31] BENJAMIN, Walter. 1972a. v. I, p. 669-670 Charles Baudelaire ["Majestät der allegorishen Intention: Zerstörung des Organischen und Lebendigen - Auslöschung des Scheins"]. (tradução da autora)

[32] Nesse poema, o mesmo velho aparece multiplicado em simulacros, ad infinitum. O citadino ou o flâneur não consegue romper o círculo infernal do tipo e essa é a experiência do sempre igual, condicionada pela produção em massa das mercadorias, compensada, ao mesmo tempo, pela mística do novo.

[33] RAULET, 1997, p. 177. Le caractère destructeur.

[34] Gérard Raulet explica essa “necessidade” de forma muito clara: “Mas, por essa dialéctica que caracteriza sua interpretação do choque moderno, Benjamin vai aqui ainda tentar tirar do choque do instante o modelo de uma experiência messiânica — a experiência daquilo que é, a todo instate, o mais próximo ” [Mais, par cette dialectique qui caractérise son interprétation du choc moderne, Benjamin va ici encore tenter de tirer du choc de l'instant le modèle d'une expérience messianique - l'expérience de ce qui est à tout instant «le plus proche" ] (tradução da autora) (RAULET. Le caractère destructeur, p. 164). Essa descoberta da íntima relação do choque com a experiência messiânica apresenta-se na sua forma mais evidente na análise do jugo e das relações do jogador com o tempo.

[35] BENJAMIN, 1972h, p. 570. Gesammelte Schriften. É sobretudo a imagem do esgrimista que aqui aparece, como protagonista do herói.

[36] BENJAMIN, 1972h, p. 573. Gesammelte Schriften: “Baudelaire, poeta, reproduz na sua prosódia os choques e os golpes que os cuidados lhe davam […] É preciso, se considerarmos sob o signo da esgrima o trabalho que Baudelaire consagrava aos seus poemas, aprender a vê-los como uma sucessão ininterrupta de minúsculas improvisações” [Die Chocks, mit denen seine Sorgen ihm zusetzten und die hundert Einfälle, mit denen er sie parierte, bildet der dichtende Baudelaire in den Finten seiner Prosodie nach. Die Arbeit, die Baudelaire seinen Gedichten zuwandte, unterm Bild des Gefechts erkennen, heiβt, sie als eine ununterbrochene Folge kleinster Improvisationen begreifen lernen]. (tradução da autora)

[37] Aludo aqui à experiência do alegorista barroco, que vive a experiência do luto, ainda que de forma diferente.

[38] Este aspecto, como se sabe, prende-se com a questão da possibilidade da narração. A poesia de Baudelaire opõe-se à narrativa proustiana (que pode ser vista como nostálgica, como um esforço derradeiro), aplicando à sua escrita a concepção bergsoniana da memória pura. Ver a este propósito a interpretação de ROCHLITZ. Le désenchantement de l’Art. Paris: Gallimard, 1992. p. 242. Também RAULET, 1997, p. 167. Le caractère destructeur, p. 167, assinala esta “nostalgia” que Baudelaire recusa definitivamente. Há, no esforço proustiano, de restaurar o passado algo que permanece ainda humano. O próprio Proust tinha notado que “o mundo de Baudelaire é um estranho seccionamento do tempo, onde apenas raros notáveis dias apareciam” [«Die Zeit», sagt Proust, «ist bei Baudelaire auf eine befremdende Art zerfällt; nur wenige seltene Tage tun sich auf; es sind bedeutende] (traduição da autora), como o observa BENJAMIN. Über einige Motive bei Baudelaire, p. 637. Esses dias, como o compreende Proust, eram os dias da rememoração.

[39] BENJAMIN, 1972h, v. I.2, p. 577. Gesammelte Schriften: “O herói é o verdadeiro sujeito da modernidadeIsso significa que, para viver a modernidade, é necessária uma natureza heróica” [Der Heros ist das wahre Subjekt der modernité. Das will besagen - und die Moderne zu leben, bedarf es einer heroischen Verfassung]. (tradução da autora)

[40]Que encontramos particularmente no homem barroco, o sentimento do Trauer que Benjamin analisou exaustivamente em Ursprung des deutschen Trauerspiels, retomando a teoria da melancolia de Aristóteles e as teorias medievais que perduraram através do tempo.

[41] BENJAMIN, 1972n, v.V.2, p. 657. Zentralpark.

[42] A reflexão benjaminiana sobre o jogador reenvia-nos directamente para a dimensão do heroísmo baudelaire. O jogador de Baudelaire podemos encontrar o “esgrimista” por excelência. O jogo altera, para aquele que se encontra sob o seu fascínio, a relação tradicional com o tempo e os acontecimentos ganham, para ele, uma dimensão do choque e da sua experiência que não encontramos nas outras figuras alegóricas da modernidade. Cf. BENJAMIN. Gesammelte Schriften, p. 633-5.

[43] BENJAMIN. Gesammelte Schriften, p. 660, “O spleen é o sentimento que corresponde à catástrofe em permanência ” [Der spleen ist das Gefühl, das der Katatrophe in Permanenz entspricht] (tradução da autora).

[44] BENJAMIN, 1972n, v. V.2, p. 582-583. Zentralpark.

 

[45] BENJAMIN, Walter. Über den Begriff der Geschichte. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1972k. v. V.1, p. 697-698.

[46] O verdadeiro objectivo de Haussmann, que se intitulava a si próprio como o artiste-démolisseur, era o de permitir e de facilitar a passagem das tropas, por todo o lado, desde as casernas aos bairros populares, e impedir a construção das barricadas pela cidade. Todavia, durante a Comuna elas reapareceram de novo, mais sólidas que nunca.

[47] ROUANET, 1994, p. 90. As razões do iluminismo.

[48] BENJAMIN, 1972h, v.I, p. 70. Gesammelte Schriften.

 

[49] BENJAMIN, 1972h, v. V.I,  p. 70.  Gesammelte Schriften.

[50] BENJAMIN, 1972h, v. V.1, [M, 6, 6], p. 540. Gesammelte Schriften:,: “A fantasmagoria do flâneur: decifrar nos rostos a profissão, a origem e o carácter ” [Die Phantasmagorie des Flaneurs: das Ablesen des Berufs, der Herkunft, des Charakters von den Gesichtern] (tradução da autora).

[51] BENJAMIN, Walter. Die Wiederkehr des Flaneurs. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1972f. v. 3, p. 194.

[52]BENJAMIN, 1972h, v. V.1, [M 6a, 4]p. 541. Gesammelte Schriften: “A cidade é a realização do antigo sonho da humanidade, o labirinto. O flâneur consagra-se, sem o saber, a esta realidade” [Die Stadt ist die Realiserung des alten Menschheittstraumes vom Labyrinth] (tradução da autora). Ver, ainda, p. 559.

[53] BENJAMIN, 1972h, v. V.1, [M 2, 4],p. 528-529. Gesammelte Schriften: "Bekannt ist, wie bei der flanerie Länder - und Zeitenfernen in die Landschaft und in den Augenblick eindringen. "

[54] E a comparação com a multidão de Edgar A. Poe, na sua obra O homem das multidões, ganha aqui uma imensa pertinência. Essa comparação pode ser alargada a outros autores, tomando como exemplo Chesterton e Dickens (em Inglaterra) e Dumas, Victor Hugo e Zola (em França). POE, Edgar Allan. Ficção completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 2001.

[55] BENJAMIN, v.v.V1, p. 567, 568. Gesammelte Schriften.

[56] BENJAMIN. IbidemGesammelte Schriften,

[57] Essa distinção é estabelecida de uma forma muito clara, mediante a introdução do conceito de memória e de rememoração, posição que o faz aproximar Baudelaire de Marcel Proust. Tal como o afirma BENJAMIN. v. V.1, [J 79 a, 1], p. 465, Gesammelte Schriften: “O que distingue radicalmente o cismativo [Grübler] do pensador, é que ele não medita somente sobre uma coisa, mas sobre a sua reflexão nesse sujeito.” [Was den Grübler vom Denker grundsätzlich unterscheidet ist, daβ er nicht einer Sache allein sondern seinem Sinnen über sie nachsinnt] (tradução da autora).

[58] BENJAMIN. v. V.1, [J 79 a 1], p. 465, Gesammelte Schriften: "Der Fall des Grüblers ist der des Mannes, der die Lösung des groβen Problems schon gehabt, sie sodann aber vergessen hat. Und nun grübelt er, nicht sowohl über die Sache als über sein vergangnes Nachsinnen über sie. Das Denken des Grüblers steht also im Zeichen der Erinnerung. Grübler und Allegoriker sid aus einem Holz." (tradução da autora)

[59] BENJAMIN. v.V.1, p. 466, Gesammelte Schriften: "Die Erinnerung des Grüblers verfügt über die ungeordnete Masse des toten Wissens. Ihr ist das menschliche Wissen Stückwerk in einem besonders prägnanten Sinn: nämlich wie der Haufen wilkürlich geschnittener Stücke, aus denen man ein puzzlle zusamensetz. Ein Zeitalter, das der Grübelei abhold ist, hat im puzzlle deren Geberde festgehalten. Sie ist im besonderen die des Allegorikers. Der Allegoriker greift bald da bald dort aus dem wüsten Fundus, den sein Wissen ihm zur Verfügung stellt, ein Stück heraus, hält es neben ein anderes und versucht, ob sie zu einander passen: jene Bedeutung zu diesem Bild oder dieses Bild zu jener Bebeutung”. (tradução da autora)

[60] BENJAMIN, Walter. Das Paris des Second Empire bei Baudelaire. In: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Frankfurt: Suhrkamp, 1972d. v. 1, p. 582: "Die Dichter finden den Kehricht der Gesellschaft auf ihrer Straβe und ihren heroischen Vorwuf na eben ihm. Damit scheint in ihren erlauchten Typus ein gemeiner gleichsam hinein-kopiert. Ihn durchdringen die Züge des Lumpensammlers, welcher Baudelaire so beständig beschäftigt hat".

[61] BENJAMIN. Das Paris des Second Empire bei Baudelaire, p. 583: "Hier haben wir einen Mann - er hat die Abfälle des vergangenen Tages in der Haupstadt aufzusammeln. Alles, was die groβe Stadt fortwarf, alles, was sie verlor, alles, was sie zertrat - er legt davon das Register an und er sammelt es(…) Diese Beschreibung ist eine einzige ausgedehnte Metapher für das Verfahren des Dichters nach dem Herzen von Baudelaire. Lumpensammler oder Poet - der Abhub geht beide an; beide gehen einsam ihrem Gewerbe nach, zu Stunden «pas saccadé»; das ist der Schritt des Dichters, der nach Reimbeute die Stadt durchirrte; es muβ auch der Schritt des Lumpensammlers sein, der alle Augenblick auf seinem Wege innehält, und den Abfall, auf den er stöβt, aufzulesen."(tradução da autora)

[62] Carta de Benjamin a Adorno de 9 de Dezembro de 1938 (BENJAMIN. Briefe, II, p. 795): “A figura do trapeiro é de proveniência infernal. Ela reaparecerá na terceira parte, em contraste com a figura ctónica do mendigo hugoano” [Die Figur des Lumpensammlers ist höllischer Provenienz. Im dritten Teil wird sie, gegen die chthonische Figur des Hugo].(tradução da autora)

[63] BENJAMIN. v.V.1, p. 461-2. Gesammelte Schriften.

[64] O herói moderno não é um herói trágico, no sentido clássico e aristotélico do termo. Benjamin define este herói moderno como aquele que “emerge do abismo” (BENJAMIN. Gesammelte Schriften., p. 657). Este herói aparece também como o “nadador”, com o mesmo sentido do anterior, aquele que emerge do oceano e que nada, lutando por emergir sempre. V. o poema “Élévation”: “Et, comme un bon nageur qui se pâme dans l’onde,/Tu sillones gaiement l’immensité profonde/Avec une indicible et mâle volupté.”

[65] BENJAMIN. Gesammelte Schriften, p. 547, p. 622-3. Nestas passagens, Walter Benjamin salienta a importância que a massa/multidão desempenha no olhar poético de Baudelaire. Benjamin salienta, ainda, a proximidade entre Baudelaire e Victor Hugo, àcerca da importância da massa na sua poesia, a qual é claramente posta à vista no seu poema “Les Petites Vieilles”. Porém, a atentar nas palavras de Benjamin, a multidão, para Baudelaire, nunca foi um convite à contemplação, desempenhando, ao invés, esse papel em Victor Hugo. BENJAMIN. Gesammelte Schriften, p. 563-4.

                Na p. 169, Benjamin utiliza mesmo a expressão “véu movente”. Foi através dessa espessura, que simultaneamente esconde e revela, que Baudelaire viu Paris, transformando-se a multidão num dos elementos fundamentais da sua obra. Porém, curiosamente, como nos adverte o próprio Benjamin, a multidão é pressentida, não explicitada, e é, justamente esse “véu” que conduz e orienta todo o poema.

[66] O tema do abismo, entendido como o abismo do mal, o das significações ou, ainda, o abismo a que conduz o saber material, configura-se, também como um tema alegórico do barroco, que tem já a sua expressão, do ponto de vista de Benjamin, na obra Ursprung des deutschen Trauerspiels, p. 404, no saber alegórico do barroco.

[67] BENJAMIN. Gesammelte Schriften, p. 461. Também no Trauerspiel o cortesão era um actor, visto que o Trauerspiel designava simultaneamente o mundo (a história-natureza) e a própria história representada, transformando-se o cortesão numa figura teatral por excelência, em toda a sua ambiguidade.

[68] Convém nunca esquecer a imagem da qual Benjamin se serve para falar desse mundo e da ideia de progresso histórico. É, sem dúvida, a imagem do angelus novus que aqui se encontra subjacente, o anjo que quer reunir e salvar as coisas, que jazem em escombros aos seus pés. No entanto, as suas asas encontram-se paralisadas pela tempestade do progresso. A noção de progresso deve ser aqui relacionada, com todo o propósito, com a de catástrofe (BENJAMIN. Über den Begriff der Geschichte, p. 697-8).

[69] BENJAMIN. Über den Begriff der Geschichte, I, 2, p. 697: "Wo eine Kette von Begeheinheiten vor uns erscheint, da sieht er eine einzige Katastrophe, die unablässig Trümmer auf Trümmer häuft ind sie ihm vor die Füβe schleudert." (tradução da autora)

 

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